Tem gente que faz do fato de existir uma profissão de fé, uma lição de vida.
Entrei na sala de aula atrasada, sonada, chapada de analgésico. O professor me esperou sentar para dar bom-dia, no meio duma fala sobre os sete hábitos das pessoas eficazes.
Estranhei a dicção. Seria gripe? Alergia? Lábio leporino? Ou só a paralisia... qual lado? Direito ou esquerdo?
Ele corria de um lado para outro na frente da turma, apagava frenético o quadro branco e enchia novamente de anotações, se exercitava apontando as próprias observações. E falava, muito e articuladamente.
Até que descobri. Jogo dos sete erros: onde estão as orelhas?
Cadê o ouvido direito?
Acidente?
Como alguém ouve sem filtrar o som nas reentrâncias das orelhas?
Logo descobri: não ouve. Ou melhor, ouve, mas dum jeito muito peculiar.
O doutorando Armando Nembri, filho duma professora de surdos-mudos, nasceu com uma síndrome que lhe negou a audição, podou as orelhas, paralisou o lado direito da face e causou problemas de coluna. Aprendeu a falar aos sete anos. Ouviu o Hino Nacional pela primeira vez com a cabeça encostada numa caixa de som em plena Avenida Presidente Vargas, num comício pelas Diretas. Chorou de emoção ao literalmente sentir a melodia ecoando no crânio, encontrando a letra que ele já conhecia e admirava a beleza.
E este homem estava lá, falando sobre liderança e gerenciamento de pessoas. Respondendo perguntas. E atendendo ao celular.
Sim, porque o ser humano é capaz de praticamente tudo. Ele prefere "ouvir" encostando o aparelho na testa, onde a ressonância é melhor. Mas prefere não dar uma de maluco no meio da rua e apóia o celular na base da cabeça, atrás de onde ficariam suas orelhas. Ele "ouve" um som intermitente, e então o som cessa, e ele reconhece uma voz. Então ele fala, dá o recado de onde está, para onde vai, e que falará mais tarde.
Admirável. Emocionante. Não pude assistir todo o curso, mas creio que aprendi lições preciosas de humanidade e conduta que não estão em livro algum.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
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