sexta-feira, 18 de setembro de 2009

She works hard for the money

Eu me estresso, me estafo, durmo mal, como mal, me entupo de relaxante muscular, desisto de fazer o desconforto passar, maldigo meu joelho e meus pés, vivo debaixo duma camada já resistente de lápis de olho e rímel (dando uma contribuição solene às olheiras). Mal me contenho dentro do ônibus, desabo chorando logo que piso em casa, desmaio de tanto cansaço e só levanto porque ainda não virei anoréxica e gosto de mastigar e saborear o que como.
Mas é preciso reconhecer. Vejo as fotos dessas viagens todas, os momentos felizes, as coroações de anos de batalhas e de formações profissionais das quais orgulhosamente participei (não sei se os formandos sentem o mesmo, mas mãe é tudo assim, hehehe)... e lá vou eu, chorar de novo lágrimas do mais puro sentimento de dever cumprido.
Ouço o desabafo dos outros, a satisfação de um final de semana chegando com um peso a menos oprimindo o peito, novos horizontes se abrindo para os que também se exaurem de tanto trabalhar e não consigo: desmonto de novo, sob o peso do prazer de achar que não estou de todo errada.
Então lembro do Michael Moore, o sensacionalista mais divertido que apareceu no documentário americano nos últimos tempos, e a introdução do livro "Stupid white men: uma nação de idiotas", onde ele narra as dificuldades que teve para por o livro na rua. E posto aqui o trecho que me baliza.

Então, um milagre aconteceu. Sem meu conhecimento, havia uma mulher sentada no fundo, daquela sala perto da estrada de New Jersey, naquele 1º de dezembro, que depois de ouvir minha infausta história, decidiu fazer algo. Ela era uma bibliotecária de Englewood, New Jersey, e seu nome era Ann Sparanese. Ela foi para casa e começou a navegar na internet. Escreveu uma carta a seus amigos bibliotecários e a anexou em alguns sites dedicados a assuntos progressistas ligados a bibliotecas. Ela revelou o que a HarperCollins planejava fazer.
Ralhou comigo (bem ao estilo das bibliotecárias!), dizendo que eu não deveria ficar quieto, que eu não tinha o direito de ficar em silêncio, pois esse clima de censura e repressão não se restringia a mim. Afetava a todos. A nova Patriot Act dos EUA tornava ilegal que os bibliotecários se negassem a atender qualquer pedido da polícia para ver o que alguém estava lendo. Os bibliotecários poderiam ser presos só por tentar contatar um advogado e pedir conselhos! Ann Sparanese pediu que todos escrevessem para a HarperCollins e exigissem que a editora lançasse o livro de Michael Moore.
E foi exatamente isso que centenas e, no final, milhares de pessoas fizeram. Eu não tinha a mínima idéia de que isso estava acontecendo.
Não até receber um telefonema da HarperCollins.
“O QUE VOCÊ DISSE AOS BIBLIOTECÁRIOS?” interpelou a voz do outro lado da linha.
“Do que você está falando?”, perguntei, curioso.
“Você foi a New Jersey e contou tudo aos bibliotecários!”
“Não havia bibliotecário algum em New Jersey e como você sabe o que eu falei lá?”
“Descobrimos na internet. Uma bibliotecária está espalhando a história toda. E AGORA ESTAMOS RECEBENDO EMAILS FURIOSOS DE BIBLIOTECÁRIOS!”
Humm, pensei, os bibliotecários certamente são um grupo terrorista com o qual ninguém quer se meter.
“Desculpe”, disse, acanhadamente. “Certifiquei-me de que a imprensa não estava lá.”
“Bom, agora já está tudo no ar. A Publisher Weekly está me ligando.”
(…)
Na semana seguinte, depois de ser convocado para uma reunião na HarperCollins - na qual voltaram a me ameaçar de que meu livro, do jeito que estava escrito, “com essa capa e esse título, não pode ser lançado” – recebi uma ligação do meu agente, dizendo que o livro seria na verdade lançado como estava, sem nenhuma vírgula mudada.
Evidentemente, a editora ficou fodida porque tudo tinha caído na arena pública e porque estava sendo vista – corretamente – como censora.
Malditos Bibliotecários! Graças a Deus pelos bibliotecários!
Claro que não deve surpreender o fato de os bibliotecários terem encabeçado as acusações. A maioria acha que eles são reservados e quietos e que vivem dizendo “SHHH” para todo mundo. Agora estou convencido de que “shhh” é simplesmente o barulho que sai das bocas deles enquanto planejam a revolução!
É melhor acreditar que estão furiosos. Não ganham merda alguma, seus postos e benefícios são continuamente reduzidos, seu orçamento é o primeiro a ser cortado e eles gastam seus dias consertando livros de quarenta anos de idade que enchem as prateleiras. Claro que foi uma bibliotecária que veio em minha ajuda! Provou pra mim, novamente, a diferença que apenas uma pessoa consegue fazer.


Bem... sinto que fiz a diferença essa semana. Provei que nem toda bibliotecária é furiosa e quieta - algumas até contam piadas sobre o taxista idiota que causou atraso na maior cidade do país. Esforcei-me para melhorar as condições da minha equipe. Só falta agora provar por a + b que, se Tutatis não fizer nada pela reforma da Biblioteca Nacional, o céu... ou melhor, a abóbada riquíssima, vai cair sobre nossas cabeças com sua secular história.
E só pra não perder o ritmo alucinante, dos cinco dias úteis da semana que vem, estarei em reuniões ou eventos fora da sede em quatro deles.

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