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Causou um certo frisson na imprensa a aparição da candidata a eterno mau-exemplo Lindsay Lohan imitando o mito Marilyn Monroe em seu último ensaio fotográfico. Seis semanas antes de morrer, Marilyn posou em duas sessões para as lentes de Bert Stern, numa suíte do hotel Bel Air, em Los Angeles. As fotos ficaram conhecidas como "The Last Sitting", e criaram polêmica porque mostraram Marilyn nua, pela primeira vez, depois da famosa foto clicada por Tom Kelley para o calendário de 1952.
Eis que Bert Stern selecionou cerca de 60 imagens e promoveu uma mostra - que esteve aqui no MAM-Rio no final do ano passado. A mostra virou livro, e enquanto certamente muitas mulheres viram "Marilyn Monroe: O Mito" (Sextante, 128 p.) e só enxergaram um peito caído e a magreza daquela mulher, eu vi uma flor de estufa.
A flor de estufa tinha 36 anos e, por algum milagre cibernético, não achei na web nenhuma das fotos que exibem as marcas capazes de contradizer o número: as mais do que aparentes rugas, as sardas, a flacidez da pele. A vela ao vento tinha só 36 anos e rugas como só as quarentonas-cinquentonas exibem hoje. Embora não usasse maquiagem além do batom e do delineador no ensaio - assim o diz o fotógrafo - a diva parece estar debaixo de quilos e quilos de base, ou algo que mascara a sua verdadeira expressão. Uma máscara.
O release da editora diz que as fotos mostram uma Marilyn "madura, esbanjando sensualidade". Eu não vi nada disso. Eu vi uma balzaquiana adernando sob o peso do próprio mito, sendo tragada pela própria fragilidade, afogando-se em litros e litros de champagne para suportar a dor de ser uma fachada, um símbolo, um ícone. Eu vi uma menina que foi abandonada e passada de família em família até o primeiro casamento. Eu vi uma mulher que casou-se três vezes e passou por todo tipo de sacrifício para provar seu valor - até pelo estupro. Eu vi uma atriz que foi espancada pelo marido depois de filmar sua mais famosa cena. Vi uma cicatriz - um ícone no ícone, um órgão extirpado, uma amostra de humanidade, um anúncio do fim que chegava mais e mais perto. Vi uma pessoa que ia morrer dali a pouco sonhando com um pouco mais do que fama e glória: ela sonhava com respeito, com carinho, com afeto genuíno, com algo e alguém para além do delineador e das garrafas de espumante que lhe conferiram o tão adivinhado glamour.
No entanto, nada disso diminui o impacto da imagem. Em cores ou preto-e-branco, com rugas, sem vesícula, sorrindo ou fingindo dormir, piscando, mordendo os lábios, brincando com a transparência das echarpes ou com as rosas de tecido, Marilyn nunca deixa de ser uma presença indelével. Só o próprio Stern sabe o que se passou nos dias e noites com ela na suíte 261 do Bel Air. E assume: tentou roubar-lhe um beijo, num descuido diante do magnetismo do mito. Ela, como quem se desilude, o afasta. E volta a fechar os olhos, inocente e confiante de que o seu "não" era a resposta definitiva.
Portanto, não me venham com esta baboseira de Lindsay Lohan que eu ainda acabo esculachando alguém. O mais perspicaz dos críticos, cujo nome me falta agora, resumiu tudo: enquanto Marilyn é o que é, aquela fedelha ridícula é apenas vulgar. Vulgar e oportunista. Porque mesmo em pleno declínio, a flor de estufa é infinitamente mais bela e digna do que aquele arremedo de maria-sem-vergonha.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
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