domingo, 27 de janeiro de 2008

Boulevard of broken dreams

É realmente curioso que justamente na data de hoje o Globo publique duas crônicas como as que eu acabo de ler.
A primeira, da Martha Medeiros, chama-se "Lá na infância" e se dedica basicamente a comentar um livro. Mas termina com um período excelente: "Em vez de tentar escapar de certas lembranças, o melhor é mergulhar nelas e voltar à tona com menos desespero e mais sabedoria. Todos temos nossas dores de estimação. O que nos diferencia uns dos outros é a capacidade de conviver amigavelmente com elas."
E algumas páginas depois, lá está Marcelo Moutinho falando sobre "O braço do pai": "Mas era bom ter a certeza de que ele invariavelmente se mantinha presente para qualquer coisa. Porque hoje dói saber que o braço do pai não está mais por aqui. Nem que seja para me proteger das freadas que dá a vida."
O braço do meu pai nunca esteve lá. Nunca me defendeu de nenhuma freada. Nunca me buscou na escola em dia de chuva. Nunca me ajudou nos temas de matemática. Não me viu entrar no segundo grau, nem sair da faculdade - o que hoje faz exatamente sete anos.
Da última vez que nos vimos, ele levou uma fração de segundo para me reconhecer. Me atendeu à porta com um "pois não" pouco mais do que mordomesco. A então esposa ficou pulando que nem um mico por trás da porta entreaberta para tentar adivinhar o que é que estava acontecendo. E em seguida ele ligou para alguém da família, escandalizado, porque meus cabelos estavam pintados de vermelho.
Meu pai foi capaz de mover um processo judicial contra mim, e incapaz de corrigir o meu nome naquele maldito documento. Páginas e páginas interpelando legalmente uma pessoa que oficialmente não era eu. Páginas e páginas de incompetência jurídica, aliada a um mau-caratismo incomparável.
Esses dias li uma coluna do Carpinejar em que ele falava sobre ser pai, e conduzia todo o texto através de perguntas que queriam saber precisamente como era ter um pai. Eu quase escrevi pedindo que quando alguém soubesse, por favor me contasse. Porque infelizmente, se hoje em dia o braço do meu pai não me alcança mais, não consigo sentir nada além de alívio.

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